quarta-feira, 13 de maio de 2015



   29 dias sem fumar e sem beber ( segunda-feira 23.09.2002 à 13 anos atrás...)

   Segunda-feira, abro os olhos, levanto, vou à pia, procuro a chaleira, encho de água, acendo o fogo. Vou ao banheiro, mijo. Lavo as mãos e o rosto, escovo os dentes. Volto para perto do fogão, enquanto espero impacientemente a água esquentar. Coloco açúcar no bule, café no coador, e com o corpo sem alma, espero, espero,espero...A água finalmente ferve, jogo-a no coador e o delicioso e viciante cheiro de café se espalha no ar. Encho o caneco, acrescento leite, tomo, o espírito começa retornar ao corpo, pronto pra batalha.Levo café pra minha esposa  na cama, ela tem que levar cedo nosso filho no médico. Meu filho acorda, toma nescau, come bolacha, e o silêncio some com suas incontáveis perguntas, ele mesmo sendo especial, é uma criança ávida de curiosidade. Vou lá fora,trato os bichos, olho o quintal tão sujo, capim tão alto. Parece que foi ontem que eu tinha carpido. A natureza faz o mato crescer com espantosa velocidade, pra tristeza de quem precisa pegar na enxada. Com carpir sem cigarro? Que ânimo terei para limpar esse imenso terreno? É, mas limpar e carpir é minha obrigação, já que nem aluguel eu pago. Bom, mas não vai ser hoje que vou pegar na enxada. Tenho de ir à cidade fazer compras.
   Passeio pela XV, vejo os bares, as mesinhas na calçada. Quantos porres tomei aqui. Onde anda meus amigos? Há 20 anos, mais ou menos, juntos, forrávamos estas mesas de cerveja.Agora, nenhum amigo, outras turmas bebendo.  Outro mundo, já não pertenço mais a este lugar. Sento-me à mesa,  peço uma coca e olho. O garçom ainda é o mesmo, nem me reconheceu e foram incontáveis as gorjetas na época que ainda era possível dar gorjetas. O cheiro de cigarro vem forte, ao lado muitos copos, é preciso fugir imediatamente. Pago, levanto, ando na multidão como fantasma que sou, tímido, inseguro, passo pela Catedral e entro ou me escondo, não sei. Lá dentro meia dúzia de pessoas, estão ajoelhadas perto do altar. Sento no último banco e olho não sei o quê. Afinal que estou fazendo na casa que me condicionaram a pensar que é de Deus? Há quantos anos não faço o movimento mecânico do sinal da cruz, não rezo, não me benzo, não me confesso? Olho o Santo Homem pregado na cruz. Este com certeza não foi terráqueo primitivo. Mas os terráqueos primitivos não entenderam e nunca vão entender um espírito iluminado, que não pertence à estrutura psicológica do rebanho. Deixou-nos tanta luz em suas parábolas, o Sermão da Montanha, nem todos os poetas do mundo escrevendo juntos chegariam perto de tanta beleza, tanta significação. Pena que não entendem e usam suas palavras para comércio e barganha psicológica. Igrejas cada vez mais altas são construídas, numa vã tentativa de alcançar os céus. Um sentimento de paz envolve meu ser, ali não tem como pecar, nenhum risco de fumar, beber...Mas não posso viver na igreja, eles me tocariam, assim como tocam mendigos que não tem onde dormir. Faço o sinal da cruz e saio, uma voz não sei da onde diz para eu tomar cuidado e voltar sempre. Não vi ninguém ao meu lado, mas a bandeira do Lula com o "13" bem grande, raspou no meu rosto. Ando até a Frigominas e volto carregado, descanso um pouco, me peso na balança da farmácia, 93 kg, malditas balas.

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