sábado, 18 de abril de 2015

 

   30.08.2002 (sexta-feira) 5 dias sem fumar e sem beber

   Acordei às 10:00h com o chamado do meu filho Josemario. Incrível, meu corpo inteiro tremia. Pus café dentro do bule e açúcar dentro do coador, esqueci a boca acesa do fogão de onde tirei a água quente do café. Me sinto todo errado.
   Mais tarde, levei meu filho pra escola, voltei, passei no Big, voltei pra casa e pensei em deitar até umas 17:00hs, mas resolvi ir limpar o bar, afinal sexta-feira o movimento é grande. Sentimentos de tristeza e inferioridade se apossaram do meu espírito. Lembranças de um passado negro, cheio de incômodos pra minha família. Lembrei da ruindade e do medo que tinha do meu pai, que quebrava pratos nas paredes durante minha infância, da minha mãe som seus ataques terríveis , se jogando no chão, berrando gritos agudos e fortes que traumatizaram a família toda, do meu tio e tia alcoólatras que moraram um tempo em nossa casa. Eu tremia quando eles chegavam, cansei de me esconder debaixo da cama, no porão da casa, morria de medo deles, porém mais do meu tio, que era extremamente violento. Muito criança, eu não podia entender porque moravam lá em casa.
   Domingo, que deveria ser um dia feliz, dava sempre briga. Minha avó, muito brava, ia com meu vô, que era doce e bom, comer lá em casa. Dia de macarronada, maionese e franco ao molho e até Coca-Cola às vezes. Minha mãe colocava os melhores pratos, tudo lindo, tudo enfeitado, até som de vitrola com Júlio Iglesias e Roberto Carlos. Todos ansiosos e famintos, prontos para degustar a deliciosa comida dominical. Mas os adultos pareciam estar sempre na defensiva, bastava uma ou duas palavras mal interpretadas e o estopim estava aceso. Baixaria, ataques pessoais, prato na parede e os berros agudos da mãe que sempre caia desmaiada. A comida já não descia mais, ficava só a tristeza, o choro e o cheiro de camomila feito para acalmar o que poderia ser evitado, se os adultos não tivessem tanta mágoa em seus sagrados corações. Lá se ia outra semana e chegava  outro domingo, novinho em folha. Minha mãe, recuperada, degolava cedinho duas galinhas, repetindo o ritual da semana anterior. Daí, antes das refeições minha avó orava, era o sinal, o espetáculo estava pra começar. E foram tantos e tantos domingos  de dor e tristeza lá em casa, que eu criei ódio do domingo até não sei que idade da minha tumultuada infância.
   Deus, tire de mim esses pensamentos. É só mais uma armadilha, para eu perder as forças e voltar a fumar e beber. Mas estou preparado e contra estas lembranças mando bala e água com alho. Brinco com meu filho e o amor por ele me dá forças contra meu inimigo mortal, traiçoeiro, manipulador, tridente do inferno, cigarro do diabo, chupeta do inferno.
   Minhas patas estão para ganhar filhotes, as tilápias do tanque estão grandes, os lambaris só vejo mais ao anoitecer,  pulando à cata dos insetos. É um verdadeiro calmante ver os peixes e os patos nadar...
   Criei um cacoete de colocar a mão no bolso, pensando que vou tirar um cigarro. Hoje, tive vários ataques de uivos, falei sozinho, imaginei minha vida sem vícios. Essa agonia vai ter que acabar.Mas quando? Quanto tempo terei de sofrer, de me esconder da vida, do cigarro e da bebida?
   Hoje é aniversário da minha irmã, ela e seu marido nos ajudam muito. Oxalá Deus lhe dê muita saúde, paz e luz!!! Ela se preocupa muito com nossa mão doente e sofrida. Cuida dela praticamente sozinha ou pelo menos mais do que todos os outros 8 irmãos(as) juntos.
   O vício geralmente é mais forte que o  amor, impede de ver a realidade. Todo e qualquer vício é extremamente prejudicial à saúde e ao coração. A mãe fez de tudo pela gente, ia a pé para o trabalho por não ter nem dinheiro do ônibus, comia só depois de ver os 9 filhos fartos, se sobrasse alguma coisa, coitada. Pra aguentar a brabeza do meu pai, educar 9 filhos e ainda trabalhar, só podia mesmo cair no chão e gritar, e gritar, e gritar...e os filhos crescendo, sofrendo, crescendo, sofrendo e aprendendo que o mundo não seria fácil. Oh, Deus, por que pensar nestas coisas agora? Qualquer pessoa que vive na estrutura emocional da sociedade sofre, a quem culpar, Deus?

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